Paciente: Sexo feminino. Vinte anos.
Estresse pós-traumático. Alucinações visuais.
Avistamentos de um vulto, o "homem grande".
Cartas de tarô, de origem desconhecida.
Muda.
Mora só.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

O Artista e os novos Filmes Silenciosos


Texto de Ulisses da Motta Costa, diretor do curta Kassandra, sobre a atual tendência de filmes mudos:

A consagração de um filme preto-e-branco e mudo ontem à noite, na cerimônia do Oscar, pode parecer algo surpreendente. O Artista, produção belgo-francesa que faz uma homenagem ao cinema norte-americano das primeiras décadas do seculo XX, ganhou cinco estatuetas: melhor filme, diretor (Michel Hazanavicius) ator (Jean Dujardin), trilha sonora (Ludovic Bource) e figurino (Mark Bridges). No entanto, ela não é um caso isolado.

O filme olha para o passado da sétima arte para buscar um novo referencial, numa época de crise criativa no cinema norte-americano. Buscar em outros tempos as bases para se reconstruir ou reformar as artes é algo que acontece com frequência na cultura humana. Desta forma, o aparente arrojo estético de O Artista, na verdade, é parte de um "movimento" (na falta de um termo melhor) de buscar narrativas mais visuais. 

Ou, talvez, o termo melhor que me falta seja "tendência": na última meia década temos visto pipocar exemplos de filmes baseado cada vez menos nos diálogos.

Do cinema norte-americano, é fácil lembrar de exemplos recentes: a animação Wall-E, da Pixar; os 15 minutos iniciais de Sangue Negro, de Paul Thomas Anderson; ou ainda cenas cruciais de Planeta dos Macacos - A Origem. Da mesma França que produziu O Artista vem Sylvain Chomet, que dirigiu dois longas de animações mudos, As Bicicletas de Belleville e O Mágico. No Festival de Gramado de 2009, vi uma comédia dramática uruguaia, Gigante, que mal precisava de diálogos ou de música para contar sua história.

Mais forte do que a pergunta de porquê os realizadores destes filmes tomaram essas decisões é a constatação de que filmes de gêneros, origens e intenções tão distintos tenham funcionado tão bem com a proposta de não usar falas para dar movimento à narrativa. O Artista, claro, vai mais a fundo: sequer tem som ambiente, ruído de qualquer tipo, folleys ou efeitos sonoros (fora em duas cenas) -- apenas a trilha sonora. Afinal, a intenção era recriar um cinema do passado e por isso o processo de imersão tinha que ser mais intenso, incluindo aí a fotrografia em preto-e-branco e outros elementos característicos.

O filme me chamou a atenção quando estávamos recém na pré-produção de Kassandra. Lógico: nosso pequeno filme também é em preto-e-branco, praticamente prescinde dos diálogos e tem uma protagonista muda. Claro, essas escolhas não tem a pretensão de dialogar com o passado, mas são baseadas no que acreditamos que funcionará no clima do filme. A "culpa" por algum sentimento de falta de criatividade não chegou a me acertar; pelo contrário: fez-me sentir dentro de uma conjuntura mais ampla, "pertecendo" a algo maior e mais poderoso.

Nossas fantasias com o filme não envolvem um caminho tão longo, lógico. Mas há agora uma sensação de que percurso que tomamos parece mais certo do que poderíamos supor.

You can also read the Kassandra's English Version!

Nenhum comentário:

Postar um comentário