Paciente: Sexo feminino. Vinte anos.
Estresse pós-traumático. Alucinações visuais.
Avistamentos de um vulto, o "homem grande".
Cartas de tarô, de origem desconhecida.
Muda.
Mora só.

domingo, 24 de fevereiro de 2013

Terminando a trilha sonora




Um dos mais antecipados elementos de Kassandra, a música, está na reta final. Composta por Chico Pereira, a trilha tem sido gravada por ele e pelo engenheiro de som Roberto Coutinho desde janeiro, no Ampli Studio. Nesta última semana, foram gravados os últimos instrumentos que faltavam: voz e violino.

A maior parte dos temas musicais foram gravados e reproduzidos em sintetizadores variados; além disso, Chico tocou alguns trechos de piano e, junto com Roberto, gravou algumas experimentações percussivas. Estes takes foram invertidos para reforçar os aspectos psicológicos e surreais do filme.

Mas era consenso que a trilha de Kassandra precisava de mais elementos orgânicos, e por isso Chico resolveu inserir uma voz e um violino -- ambos executados por mulheres. A voz ficou a cargo de Mariele Giovanaz (acima), e Isadora Raymundo gravou o violino (abaixo). Nos dois casos, elas fizeram a melodia do tema principal do filme para momentos distintos da projeção, além de sons experimentais.


Agora, a trilha está na fase de edição e mixagem. Em breve, poderá ser ouvida aqui no blog. Aguarde!

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Entrevista: Alfredo Barros, montador


Montador premiado e requisitado, discípulo de Giba Assis Brasil, professor universitário: Alfredo Barros é um dos nomes ilustres a constar nos créditos de Kassandra. Nesta entrevista, ele revela os detalhes do processo de editar o curta-metragem -- e ainda dá uma aula sobre montagem de cinema:




Você aceitou o projeto por ser o primeiro filme de terror que lhe propuseram até então. Montar um filme de terror era o que você imaginava? Ou o desafio era bem diferente da sua expectativa?

Alfredo: Na verdade foi muito mais divertido do que eu imaginava. No início do processo de montagem, eu tive alguma dificuldade pra entrar no clima do filme, mas quando terminei o primeiro corte junto com o diretor, senti que tínhamos um filme aterrorizante. Kassandra me surpreendeu, cresceu muito na montagem e imagino que o som ainda me reserva muitas surpresas...

Além da questão do gênero, Kassandra ainda tem a característica de ser uma narrativa essencialmente visual. Como foi trabalhar com isso? No que era preciso ter atenção na hora de montar?

Alfredo: Eu não sei se concordo com essa coisa da narrativa essencialmente visual. Concordo que não são os diálogos que movem a história em Kassandra, e que o som assume a responsabilidade mais de criar clima do que de narrar. Eu sempre procuro resolver a narrativa a partir das imagens, e no Kassandra isso foi tranquilo de botar em prática, porque estava tudo lá, todos os planos que eu precisava estavam à disposição pra fazer a história andar, criar o ritmo adequado, etc. Como sempre, meu maior esforço em termos de atenção é para perceber as sutilezas de variações no acting.

Comente um pouco sobre a proposta de edição nas cenas dos pesadelos que a personagem tem. 

Alfredo: Essa coisa que a gente usou nos pesadelos é uma tentativa de imitar o que o Francis Ford Coppola fez no filme Drácula de Bram Stoker. Eu corto o plano a cada 2 ou 3 frames e depois deleto pedaços de 2 frames. A impressão é uma falha na filmagem, fica diferente de um fast foward normal. Eu inventei essa maluquice no filme do Hique Montanari, Fogo, e uso só de vez em quando porque dá uma trabalheira danada fazer esses cortes manualmente. Já tentei automatizar isso com o Automator, mas às vezes ele me estraga o timeline todo e eu tenho que voltar pro backup, então prefiro fazer na unha mesmo. Além desses cortes aleatórios, usamos uns "ratinhos" (frames pretos) nas passagens que também provocam um “efeito de defeito”. É uma forma de sujar o corte, criar uma textura, sei lá, é uma brincadeira que fica interessante de ver na tela.

A função de um montador é também ser uma espécie de primeiro espectador do filme, no sentido de quem primeiro vê as falhas que ele pode ter. O que você quis mudar em relação ao roteiro e como foi a receptividade do diretor com as suas ideias?

Alfredo: Bem, o Walter Murch,famoso montador nos EUA, diz que o montador é o ombudsman do público. Eu acredito nisso, pois, como eu não vou no set de filmagem, não tenho apego com o material filmado. Mas vai além disso. Quando eu comecei a montar o filme, tive dificuldade de entender a questão das cartas de Tarô que apareciam com frequencia, pontuando cada momento mais intenso da narrativa. Eu fiz questão de perguntar para o diretor o que significavam aquelas cartas no filme e se o significado das cartas era importante pra entender a história. Me dei conta de que se eu não estava entendendo nada, provavelmente o público também não entenderia.

A equação é simples: se era importante, precisava ser melhor resolvido para explicar para aqueles que, como eu, não sacavam nada de Tarô. Se não era tão importante, tínhamos que deixar claro pro espectador que ele não deveria perder tempo tentando interpretar isso. A questão é, se você faz um close em um objeto/signo cujo significado seja acessível apenas a um grupo seleto de espectadores, certamente vai deixar o resto todo curioso ou, pior, se sentindo ignorante, analfabeto.

Desde que aprendemos a ver filmes, sabemos que quando aparece um plano de detalhe de alguma coisa, significa que devemos prestar atenção porque aquilo vai ter alguma importância na história. Se for o plano de uma faca, sabemos que alguém vai usar ou já usou a tal faca e que isso vai ser determinante para o desenrolar da trama ou mesmo para a sua solução. Se a faca não for importante, pra que o plano detalhe? Tá, esqueça o patrocínio da Tramontina (risos), é melhor evitar planos detalhes de coisas que não significam nada ou quase nada no filme, sobretudo se forem cartas de tarô. Coloquei minhas ponderações sobre o assunto de forma bem mais sutil do que expus aqui, até porque era o primeiro filme com o Ulisses e não queria magoar o cara. Ele ouviu minhas súplicas, consultou o roteirista, que concordou com o meu ponto de vista. Como eram dois votos contra um, o Ulisses se convenceu e o tarô foi eliminado do filme.

Qual o elemento do filme que mais lhe impressionou?

Alfredo: O que mais me impressionou no filme foi a atuação do Leandro Lefa. Brilhante. E não estou sendo lisonjeiro, o Lefa é um grande ator no teatro, cinema, TV, etc. Sou fã do trabalho dele.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Entrevista: Ana Gusson, diretora de arte

Ana Gusson é uma jovem diretora de arte, mas já requisitada no mercado. Sua participação em Kassandra foi emendada antes e depois com variados projetos, incluindo o curta A Princesa e a Ervilha, realizado como parte do seu trabalho de conclusão em design pela ESPM Porto Alegre.

Confira como foi o trabalho da arte num filme preto-e-branco, repleto de elementos:




Qual o aspecto mais interessante que você vê em Kassandra? Especialmente na questão do conceito visual do filme?

Ana: Me admira a capacidade da história de transitar entre o sombrio e o delicado e inocente, de forma natural. Da mesma forma, o conceito visual do filme, centralizado no preto-e-branco, faz o mesmo movimento. Foi muito interessante trabalhar em torno dessa perspectiva. Um mesmo cenário/objeto, mostrado duas vezes, muda sua personalidade sem ter passado por uma transformação. Para que isso desse certo, direção, fotografia, arte, atuação, tudo teve que ser muito bem trabalhado e sintonizado.

Além disso, quando li no roteiro os objetos da história, sempre precisos, fizeram com que eu me apaixonasse pelo projeto. A história toda se conecta através deles, tanto na questão narrativa quanto na visual. Achei fascinante.

Qual era o maior desafio para a arte em Kassandra? Era o fato do filme ser em preto-e-branco?

Ana: Sim, o fator preto-e-branco foi um desafio e tanto. Geralmente, um dos maiores esforços da arte é a busca pela paleta de cores certa para cada filme, cada cena, cada sentimento. No caso de Kassandra, as cores deixaram de ser uma preocupação maior, para dar lugar às texturas e aos contrastes.

Trabalhar com preto e branco pode parecer muito fácil, quando na verdade é bastante complexo. Nem sempre as cores, quando transpassadas para os tons de cinza, reagem da forma como esperamos. O vermelho foi o nosso maior desafio, pois ao invés de se tornar um tom escuro e denso, virou um pobre e pálido cinza.

Ainda assim, acho que o maior desafio da arte de verdade foi tentar criar um conceito visual que refletisse a delicadeza e a fragilidade da personagem, sem negar o seu lado obscuro. O preto-e-branco foram extremamente cruciais pra construir essa imagem, mas tivemos de ter muita cautela pra não exagerar nos cenários ou peso visual dos objetos, de forma que eles não quebrassem a delicadeza e cair só no sombrio. 

Fale um pouco sobre a locação do filme: onde era, como foi trabalhar lá, as facilidades e dificuldades a respeito dela.

Ana: Trabalhar em locação não é fácil, todo o cuidado é pouco. Ainda mais tendo cenas com sangue, brigas e mortes (pode falar?) em meio a móveis e objetos emprestados (delicados, valiosos, frágeis, e a lista segue longe), cujos donos estão confiando no profissionalismo da equipe. Alguma coisa sempre acontece pra perturbar a paz. Se não é o sangue falso melequento escorrendo no sofá, é um tropeço no pé da mesa com tampo de vidro. Repito: todo cuidado é pouco! Haja produção de set pra segurar as pontas.

A nossa locação era ótima. Além de muito adequada às necessidades e ao conceito do filme, o espaço era amplo e muito do que havia no local foi utilizado na arte. Poucas foram as preocupações com relação à adaptação do apartamento. As dores de cabeça se concentraram mais no compromisso de manter o lugar em ordem da forma como nos foi emprestado.



Ana analisando o apartamento onde Kassandra foi filmado


Você estava recém-terminando sua graduação em design e assumiu a direção de arte de Kassandra. Como é ter essa responsabilidade assim, no início da carreira, junto com uma equipe que tem profissionais que estão há mais tempo no mercado?

Ana: Já havia trabalhado com o diretor Ulisses Costa e a equipe antes, mas em uma produção bem menor. A proposta de Kassandra era completamente diferente e bem mais desafiadora. Quando recebi o convite para participar da equipe de Kassandra como diretora de arte, confesso que duvidei no início, achei que fosse brincadeira (risos). Até achei que o Ulisses tinha se confundido e que eu ia ser assistente de arte. Isso sim parecia mais plausível. Mas quando percebi que a confusão era só da minha parte mesmo, não deu pra deixar de me sentir muito feliz, sinal de que gostaram do meu trabalho, né?

Li o roteiro e adorei, isso por si só me deu muita vontade de fazer um bom trabalho, estar em uma equipe repleta de profissionais competentes e mais experientes do que eu só me motivou a buscar um nível ainda mais alto. Além disso, as experiências anteriores dos outros membros da equipe me ajudaram e me ensinaram muito. Só tenho a agradecer por estar em meio à profissionais incríveis que me inspiraram e me apoiaram muito.

Você fez um curta-metragem para o seu trabalho de conclusão, A Princesa e a Ervilha, que também tem elementos de fantasia. O que você pôde aproveitar daquele projeto em Kassandra?

Ana: A Princesa e a Ervilha foi uma experiência e tanto, me ensinou muito sobre direção de arte e a realização audiovisual como um todo. Mas a atenção aos detalhes foi o que mais me marcou e que em seguida aproveitei em Kassandra. Ambas são histórias de suspense e suas narrativas são pontuadas por pequenos elementos determinantes ao destino dos personagens. Identificar e destacar esses elementos é o ponto de partida para a construção do visual do filme, esse “método”, digamos assim, me ajudou muito em Kassandra.

Durante o processo de crowdfunding, você foi uma das pessoas da equipe que mais divulgou e mobilizou pessoas para que a meta de arrecadação fosse atingida. Como foi a emoção deste processo e qual é a importância do financiamento coletivo para o projeto de Kassandra?

Ana: Foi muito emocionante ver meus familiares e amigos ajudando o projeto. Todos gostaram muito da proposta do filme e quiseram colaborar. E por mais contente que eu ficasse a cada contribuição, os próprios contribuintes é que eram os mais empolgados. Ver o envolvimento de pessoas queridas foi muito bacana, de verdade. O processo do. financiamento coletivo sempre esteve nos planos do curta, uma grande parte dos gastos seria coberta por ele. A maior evidência de que o sucesso do financiamento foi muitíssimo importante é que agora o lançamento de Kassandra já tá quase aí. ;)

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Mágica na trilha sonora


Olá, aqui o diretor Ulisses da Motta Costa de novo. Vim dividir com vocês uma história curiosa que aconteceu ontem, dia 31 de janeiro de 2013, na gravação da trilha sonora de Kassandra.



Pensando hoje, um dia depois, acho que ontem eu vi um dos melhores mais fantásticos de criação artística  que vi desde quando comecei a trabalhar com cinema. E envolve o gênio musical do Chico Machado Pereira (compositor) e do Roberto Coutinho (engenheiro de som).

Sério, foi extraordinário.

Estava então acompanhando uma sessão de gravação da trilha. Boa parte da música já tinha sido gravada para as cenas mais cruciais. Faltava, contudo, alguma coisa mais sólida para as sequências de pesadelo -- inicialmente, usaríamos uma série de infrassons. Música mesmo, só nas cenas passadas na "realidade".

E, para essas cenas de realidade, uma das ideias do Chico era fazer alguns efeitos musicais usando as cordas de um piano dentro da sua caixa acústica, para complementar o arranjo do que já foi gravado. Em palavras simples: o Roberto desmontou o sistema de martelos do piano que há no Ampli Studio e o Chico poderia tocar diretamente nas cordas. Já tínhamos usado essa ideia (de outra maneira, com outro conceito) em outro curta, Ninho dos Pequenos (foto acima - veja o filme aqui).

Chico sentou no piano e começou a testar possibilidades de som -- que são quase infinitas, já que as cordas ficam ressoando por tempo indeterminado, a frequência de cada uma se misturando à outra. E ele começou a brincar. Sem estar gravando nada valendo, nada pensado para o filme. Apenas brincando de tocar as cordas do piano com uma palheta de guitarra. 

A "recreação" durou uns minutos, até ele parar e dizer: "Pronto, fiz música concreta".

Eu estava no estúdio neste momento. Saí dele e entrei na técnica. E eis que noto que o Roberto tinha gravado a "brincadeira" do Chico. Eles já tinham planejado de usar sons de piano invertidos para criar alguns climas mais etéreos, e por isso o Roberto inverteu toda a "música concreta" que o Chico tinha feito e, talvez sem pensar (pensou?), deu play junto com a cena de pesadelo que abre o filme.

O resultado foi assombroso. Não: assustador é a palavra. Em todos os sentidos. 

A loucurada de notas e sons invertidos se sobrepondo fez sentido não só com a ação dos planos, mas fechou até com os cortes da montagem -- naquele tipo de sincronia (sinergia?) que só os Deuses do Cinema proporcionam aos seus devotos. Não só as notas, mas os ruídos que surgiram do nada, como manifestações fantasmagóricas que nos fez questionar de onde diabos tinham saído.

Nós três ficamos abobados. E sentenciamos em conjunto: tínhamos a música para as cenas do pesadelo. Sem querer. Sem planejar. 

A partir daí, foi um festival de experimentação. Tocar as cordas do piano com um arco de violoncelo. Tocá-las com uma chave de fenda. Tocá-las com uma escovinha de limpar unhas. Cada nova tentativa, ao ser invertida, criava música de outra dimensão.

Gurizada, cês são foda.