A Bela e a Fera em filme francês de Jean Cocteau |
A Bela Contra a Fera
Quase podemos resumir a maior parte dos filmes de Terror como releituras do conto da Bela e da Fera (sem a ênfase amorosa). Inúmeros são os filmes em que mulheres enfrentam criaturas perversas (de Alien, o Oitavo Passageiro a O Silêncio dos Inocentes). As conotações sexuais estão intrínsecas, em maiores ou menores graus de sutileza: de certa forma, representam a pureza que alguma monstruosidade (masculina) quer destruir. Como tendem a serem contos morais, contudo, nestas histórias a pureza feminina fatalmente vencerá o diabólico.
É o ocorre em Nosferatu, clássico do Expressionismo Alemão: a mocinha atrai o assustador vampiro para o seu próprio quarto e oferece seu pescoço. Embriagado de sangue, o monstro não nota o sol que nasce e se desfaz na luz do dia. Em seu último sacrifício, a mártir entregou seu amor para matar o mal. A antítese do medo não é, no Terror, a coragem: este é um elemento típico da Epopéia. Aqui, o contrário do medo é o amor. A Fera pode ser redimida (ou libertada) pela Bela. Portanto, sob determinada ótica, a história de Terror é uma história de triunfo feminino: são as qualidades de mulher que podem desbaratar o mal.
É curioso ver (se quiséssemos aprofundar as diferenças entre o Épico e o Terror como representantes de uma "guerra dos sexos") como o sangue cumpre papel importante, porém diverso, na narrativa. O Épico também é sanguinário, mas os jorros de sangue são uma celebração masculina: são heróis tirando a vida de heróis em batalha. Na narrativa assustadora, o sangue é algo mais vital, a ser preservado ou a ser buscado a todo custo, indicando mais vida do que morte – tendo uma relação mais íntima com a menstruação, por exemplo.
Monstro marinho que teria sido morto no Brasil em 1564, conforme relatos |
O Homem contra o Mal
Este tipo de história é um reforço à construção feminina da Bela contra Fera, e não seu contraponto. É uma subversão do mito do Herói que desce ao covil de uma criatura malévola e a destrói, simbolizando a vitória da luz sobre as trevas. É um tema caro às mitologias, seja Davi com Golias ou Batman com o Coringa. Quando relidos pelo Terror, tais contos recebem outro tratamento. A caça à besta é um verdadeiro pesadelo, não um ato de heroísmo (em Tubarão, o covil é o mar). E é sempre claro: o heroísmo é trágico (ou pior: inútil) e não raro o mal prevalecerá (como em A Profecia).
Uma segunda forma de classificar este tema é o Homem contra os Demônios: uma jornada infernal contra várias forças malignas, normalmente uma descida ao inferno (como a que Dante faz na Comédia), onde, de todo modo, as ações estão alheias à vontade do protagonista. Seu correlato contemporâneo mais comum é o filme de zumbi: não importa o quanto o herói seja resoluto ou preparado, ele jamais impedirá a invasão e o alastramento dos mortos-vivos.
O motivo do fracasso do herói é explicado no tema da Bela contra a Fera: coragem não basta; para combater o mal, apenas o amor tem a força necessária.
Capa da edição de 1831 de Frankenstein |
O Monstro em Todos Nós
Personagens como a criatura de Frankenstein são essencialmente trágicos. São anti-heróis típicos das Tragédias, com a diferença que o tratamento dado à sua marcha infeliz é mais sombrio, ou possui cores mais berrantes. As lendas de Édipo se aproximam do Terror: assassinato do pai, abuso da mãe, automutilação. As jornadas dos monstros são obscuras e sombrias e, fatalmente, finalizam com sua desgraça ou destruição.
Virtualmente, costuma-se usar o termo "monstro" para designar algo hediondo, aberrante – portanto, representante do mal. Seria um sinônimo para Fera. Contudo, as origens latinas da palavra podem tanto significar “mostrar” quanto “aviso”. Ou seja, o Monstro é alguém ou algo que se revela e dá um aviso. A sua diferença em relação ao anti-herói trágico é o seu visual deformado – que nos faz lembrar as nossas próprias construções psíquicas retorcidas. O Monstro exterioriza aquilo que escondemos em nós – e, por definição, está em situação de desamparo frente ao mundo, o que ressalta sua índole trágica.
Ao contrário dos exemplos anteriores, o Monstro Interior é uma leitura masculina para as histórias assustadoras, em que o monstro nada mais é do que uma representação do homem que não encontra nem seu lugar na sociedade e que busca amor eternamente. King Kong, apesar de seu poder e força, “entrega-se” ao amor apenas para ser arrancado do seu habitat e levado para um lugar infinitamente mais hostil que a selva repleta de dinossauros da sua ilha.
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Em suma: por repulsivas que sejam, as histórias de Terror/Horror têm como objetivo um contraponto a um mundo e um comportamento idealizado no Épico. São histórias não para serem contadas em praça pública, à luz do dia, mas no escuro das noites, dentro de casa, a fim de ensinar morais e éticas mais simples e mundanas. Seria a história de terror uma resistência feminina a um mundo masculino? É uma hipótese interessante.
Texto escrito pelo diretor Ulisses da Motta Costa.
Texto escrito pelo diretor Ulisses da Motta Costa.
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