Paciente: Sexo feminino. Vinte anos.
Estresse pós-traumático. Alucinações visuais.
Avistamentos de um vulto, o "homem grande".
Cartas de tarô, de origem desconhecida.
Muda.
Mora só.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Um pouco sobre terror e horror - 1/2

Olá, aqui mais uma vez Ulisses da Motta Costa, diretor de Kassandra. Durante as preparações para as filmagens do curta, escrevi este texto para elenco e equipe - a respeito do gênero terror. Resolvi dividi-lo com vocês. O texto terá duas partes:
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O primeiro filme de terror/horror,
O Gabinete do Doutor Caligari
Em português, não costumamos fazer diferenciação de significado entre os termos “terror” e “horror”; grosso modo, eles são considerados como sinônimos. Usamos “terror” para definir quando uma pessoa tem um comportamento indomável (“fulano é um terror”), e “horror” para dizer que uma situação era catastrófica (“o incêndio foi um horror”). Mas, quando aplicados no sentido de gênero narrativo, tanto faz: querem dizer a mesma coisa.

O mesmo não acontece nas culturas anglofônicas. Terror e Horror têm significados distintos quando são aplicados a filmes, livros, quadrinhos. De maneira básica (e sem maiores verificações teóricas), em termos narrativos, o Terror é o sentimento que precede uma experiência assustadora; já o Horror é a sensação que se tem após tal experiência. Ou seja, o primeiro é ligado ao medo; o segundo, ao choque.

H.P. Lovecraft
Dentre os dois, considera-se o mais “nobre” o Terror, pois ele depende de uma construção gradual de ansiedade e incômodo. Há uma necessidade de se criar solidamente a sensação de medo; por outro lado, quando esta construção chega ao seu clímax e presenciamos o assustador que se promete no decorrer da narrativa, nossa sensação subsequente é de choque. Uma boa história assustadora investe, podemos dizer, no Terror durante seu desenrolar e deixa o Horror para o espectador assim que termina.

Por que o Terror/Horror funciona enquanto narrativa, por repugnante que possa parecer? De acordo com H.P. Lovecraft, escritor americano notável pelos seus contos assustadores, “a emoção mais antiga e mais forte do homem é o medo, e o medo mais antigo e mais forte é o medo do desconhecido”. Fruir de uma história que  provoca medo nos faz notar esta sensação em nós – e o “papel” das artes é fazer com que lembremos que temos certos sentimentos -- ou seja, que estamos de fato vivos.

Barba Azul por Gustave Doré
Não é à toa que os elementos assustadores permeiam obras consideradas de outros gêneros: as mitologias de civilizações ancestrais são repletas de seres e situações asquerosas; os contos de fada são sanguinolentos e crueis. Na Odisseia, medo é a sensação que impera na caverna do ciclope e na descida ao inferno; em Macbeth, o terror das bruxas se estabelece já no prólogo (não à toa que Orson Welles, ao transportar a peça ao cinema, deu-lhe uma roupagem gótica mais assemelhada a um filme de terror do que a um épico).

Assim, Terror e Horror têm uma origem ancestral, apesar de suas especificidades enquanto gênero. Para todos os efeitos, são Tragédias (as gregas são vastamente brutais) que se aprofundam no lado sombrio dos anti-heróis. Dentro do campo trágico, podemos dizer que há três temas caros ao terror, que vamos chamar aqui de: A Bela contra a Fera, O Monstro em Todos Nós e O Homem contra o Mal. Um pouco sobre eles:

(continua)


And you can also read the Kassandra's English Version!

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