Paciente: Sexo feminino. Vinte anos.
Estresse pós-traumático. Alucinações visuais.
Avistamentos de um vulto, o "homem grande".
Cartas de tarô, de origem desconhecida.
Muda.
Mora só.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

A pessoa certa para escrever uma história

Texto de Roger Monteiro sobre o roteiro de Kassandra:



Não é raro as mentes inquietas entrarem em colapso por não possuírem válvulas de escape suficientes para administrar a pressão da própria criatividade. Verdadeiros doidos varridos surgem todos os dias, e por motivos bem menos pitorescos.

Foi por isso que eu não estranhei muito quando o Ulisses apareceu falando sobre esse tal filme de terror para o qual ele estava convidando a mim para escrever o roteiro. Enlouqueceu, o Ulisses, coitado. Sempre soubemos que aconteceria.

O gênero terror me parecia algo tão distante do universo em que o Ulisses opera – e mais distante ainda da minha gama de interesses - que a coisa toda fazia tanto sentido quanto poesia concreta. Afinal, em que um sujeito como eu, que nunca comprou uma casa construída sobre um antigo cemitério indígena, poderia contribuir para um projeto desse calibre? Mas, mesmo com os dados rolando contra, acabei dando trela para o paciente. Ainda bem.

O argumento do Ulisses partia de uma premissa interessante. Ele se esquivava a se tornar um terreno fértil para o clichê e lidava com alguns símbolos que possuíam sua própira mística, ingênua e angustiante. Sendo assim, angústia se tornou a palavra de ordem a ser perseguida. Não o medo fácil, o medo grito, o sujeito com a máscara de hóquei e a motosserra, mas sim aquele sentimento de inquietude que não tem forma, que não tem rosto e que não se pode combater porque simplesmente não se sabe de onde vem. Não se sabe onde está. Não se sabe, sequer, se está.

Kassandra trata desse jardim de espelhos em que convivem, quase harmonicamente, a sanidade e a loucura, não enquanto conceitos abstratos, mas enquanto âncoras que determinam as nossas ações concretas.

Foi nesse ponto que a coisa toda ganhou o meu respeito e começou a fluir. Talvez a minha única contribuição para essa narrativa tenha sido potencializar o seu aspecto repulsivo. O nobre coração de paladino do Ulisses não desce até o lodo em que a minha mente se apraz em chafurdar. Acredito que uma coisa ruim, sempre pode ser pior, uma coisa nojenta, sempre pode ser asquerosa, algo doentio sempre pode ser exacerbado até se confundir com a normalidade. Foi isso que eu fiz, aqui, senhores. Eu piorei as coisas. Para todos.

No fim das contas, o Ulisses não havia enlouquecido, ainda. Ele só precisava de alguém para fazer o trabalho sujo.

E conseguiu.

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