Paciente: Sexo feminino. Vinte anos.
Estresse pós-traumático. Alucinações visuais.
Avistamentos de um vulto, o "homem grande".
Cartas de tarô, de origem desconhecida.
Muda.
Mora só.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Mágica na trilha sonora


Olá, aqui o diretor Ulisses da Motta Costa de novo. Vim dividir com vocês uma história curiosa que aconteceu ontem, dia 31 de janeiro de 2013, na gravação da trilha sonora de Kassandra.



Pensando hoje, um dia depois, acho que ontem eu vi um dos melhores mais fantásticos de criação artística  que vi desde quando comecei a trabalhar com cinema. E envolve o gênio musical do Chico Machado Pereira (compositor) e do Roberto Coutinho (engenheiro de som).

Sério, foi extraordinário.

Estava então acompanhando uma sessão de gravação da trilha. Boa parte da música já tinha sido gravada para as cenas mais cruciais. Faltava, contudo, alguma coisa mais sólida para as sequências de pesadelo -- inicialmente, usaríamos uma série de infrassons. Música mesmo, só nas cenas passadas na "realidade".

E, para essas cenas de realidade, uma das ideias do Chico era fazer alguns efeitos musicais usando as cordas de um piano dentro da sua caixa acústica, para complementar o arranjo do que já foi gravado. Em palavras simples: o Roberto desmontou o sistema de martelos do piano que há no Ampli Studio e o Chico poderia tocar diretamente nas cordas. Já tínhamos usado essa ideia (de outra maneira, com outro conceito) em outro curta, Ninho dos Pequenos (foto acima - veja o filme aqui).

Chico sentou no piano e começou a testar possibilidades de som -- que são quase infinitas, já que as cordas ficam ressoando por tempo indeterminado, a frequência de cada uma se misturando à outra. E ele começou a brincar. Sem estar gravando nada valendo, nada pensado para o filme. Apenas brincando de tocar as cordas do piano com uma palheta de guitarra. 

A "recreação" durou uns minutos, até ele parar e dizer: "Pronto, fiz música concreta".

Eu estava no estúdio neste momento. Saí dele e entrei na técnica. E eis que noto que o Roberto tinha gravado a "brincadeira" do Chico. Eles já tinham planejado de usar sons de piano invertidos para criar alguns climas mais etéreos, e por isso o Roberto inverteu toda a "música concreta" que o Chico tinha feito e, talvez sem pensar (pensou?), deu play junto com a cena de pesadelo que abre o filme.

O resultado foi assombroso. Não: assustador é a palavra. Em todos os sentidos. 

A loucurada de notas e sons invertidos se sobrepondo fez sentido não só com a ação dos planos, mas fechou até com os cortes da montagem -- naquele tipo de sincronia (sinergia?) que só os Deuses do Cinema proporcionam aos seus devotos. Não só as notas, mas os ruídos que surgiram do nada, como manifestações fantasmagóricas que nos fez questionar de onde diabos tinham saído.

Nós três ficamos abobados. E sentenciamos em conjunto: tínhamos a música para as cenas do pesadelo. Sem querer. Sem planejar. 

A partir daí, foi um festival de experimentação. Tocar as cordas do piano com um arco de violoncelo. Tocá-las com uma chave de fenda. Tocá-las com uma escovinha de limpar unhas. Cada nova tentativa, ao ser invertida, criava música de outra dimensão.

Gurizada, cês são foda.

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