Paciente: Sexo feminino. Vinte anos.
Estresse pós-traumático. Alucinações visuais.
Avistamentos de um vulto, o "homem grande".
Cartas de tarô, de origem desconhecida.
Muda.
Mora só.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Entrevista: Alfredo Barros, montador


Montador premiado e requisitado, discípulo de Giba Assis Brasil, professor universitário: Alfredo Barros é um dos nomes ilustres a constar nos créditos de Kassandra. Nesta entrevista, ele revela os detalhes do processo de editar o curta-metragem -- e ainda dá uma aula sobre montagem de cinema:




Você aceitou o projeto por ser o primeiro filme de terror que lhe propuseram até então. Montar um filme de terror era o que você imaginava? Ou o desafio era bem diferente da sua expectativa?

Alfredo: Na verdade foi muito mais divertido do que eu imaginava. No início do processo de montagem, eu tive alguma dificuldade pra entrar no clima do filme, mas quando terminei o primeiro corte junto com o diretor, senti que tínhamos um filme aterrorizante. Kassandra me surpreendeu, cresceu muito na montagem e imagino que o som ainda me reserva muitas surpresas...

Além da questão do gênero, Kassandra ainda tem a característica de ser uma narrativa essencialmente visual. Como foi trabalhar com isso? No que era preciso ter atenção na hora de montar?

Alfredo: Eu não sei se concordo com essa coisa da narrativa essencialmente visual. Concordo que não são os diálogos que movem a história em Kassandra, e que o som assume a responsabilidade mais de criar clima do que de narrar. Eu sempre procuro resolver a narrativa a partir das imagens, e no Kassandra isso foi tranquilo de botar em prática, porque estava tudo lá, todos os planos que eu precisava estavam à disposição pra fazer a história andar, criar o ritmo adequado, etc. Como sempre, meu maior esforço em termos de atenção é para perceber as sutilezas de variações no acting.

Comente um pouco sobre a proposta de edição nas cenas dos pesadelos que a personagem tem. 

Alfredo: Essa coisa que a gente usou nos pesadelos é uma tentativa de imitar o que o Francis Ford Coppola fez no filme Drácula de Bram Stoker. Eu corto o plano a cada 2 ou 3 frames e depois deleto pedaços de 2 frames. A impressão é uma falha na filmagem, fica diferente de um fast foward normal. Eu inventei essa maluquice no filme do Hique Montanari, Fogo, e uso só de vez em quando porque dá uma trabalheira danada fazer esses cortes manualmente. Já tentei automatizar isso com o Automator, mas às vezes ele me estraga o timeline todo e eu tenho que voltar pro backup, então prefiro fazer na unha mesmo. Além desses cortes aleatórios, usamos uns "ratinhos" (frames pretos) nas passagens que também provocam um “efeito de defeito”. É uma forma de sujar o corte, criar uma textura, sei lá, é uma brincadeira que fica interessante de ver na tela.

A função de um montador é também ser uma espécie de primeiro espectador do filme, no sentido de quem primeiro vê as falhas que ele pode ter. O que você quis mudar em relação ao roteiro e como foi a receptividade do diretor com as suas ideias?

Alfredo: Bem, o Walter Murch,famoso montador nos EUA, diz que o montador é o ombudsman do público. Eu acredito nisso, pois, como eu não vou no set de filmagem, não tenho apego com o material filmado. Mas vai além disso. Quando eu comecei a montar o filme, tive dificuldade de entender a questão das cartas de Tarô que apareciam com frequencia, pontuando cada momento mais intenso da narrativa. Eu fiz questão de perguntar para o diretor o que significavam aquelas cartas no filme e se o significado das cartas era importante pra entender a história. Me dei conta de que se eu não estava entendendo nada, provavelmente o público também não entenderia.

A equação é simples: se era importante, precisava ser melhor resolvido para explicar para aqueles que, como eu, não sacavam nada de Tarô. Se não era tão importante, tínhamos que deixar claro pro espectador que ele não deveria perder tempo tentando interpretar isso. A questão é, se você faz um close em um objeto/signo cujo significado seja acessível apenas a um grupo seleto de espectadores, certamente vai deixar o resto todo curioso ou, pior, se sentindo ignorante, analfabeto.

Desde que aprendemos a ver filmes, sabemos que quando aparece um plano de detalhe de alguma coisa, significa que devemos prestar atenção porque aquilo vai ter alguma importância na história. Se for o plano de uma faca, sabemos que alguém vai usar ou já usou a tal faca e que isso vai ser determinante para o desenrolar da trama ou mesmo para a sua solução. Se a faca não for importante, pra que o plano detalhe? Tá, esqueça o patrocínio da Tramontina (risos), é melhor evitar planos detalhes de coisas que não significam nada ou quase nada no filme, sobretudo se forem cartas de tarô. Coloquei minhas ponderações sobre o assunto de forma bem mais sutil do que expus aqui, até porque era o primeiro filme com o Ulisses e não queria magoar o cara. Ele ouviu minhas súplicas, consultou o roteirista, que concordou com o meu ponto de vista. Como eram dois votos contra um, o Ulisses se convenceu e o tarô foi eliminado do filme.

Qual o elemento do filme que mais lhe impressionou?

Alfredo: O que mais me impressionou no filme foi a atuação do Leandro Lefa. Brilhante. E não estou sendo lisonjeiro, o Lefa é um grande ator no teatro, cinema, TV, etc. Sou fã do trabalho dele.

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