Montador premiado e requisitado,
discípulo de Giba Assis Brasil, professor universitário: Alfredo Barros é um dos nomes ilustres a
constar nos créditos de Kassandra. Nesta
entrevista, ele revela os detalhes do processo de editar o curta-metragem -- e ainda dá uma aula sobre montagem de cinema:
Você aceitou o projeto por ser o primeiro filme de terror que lhe
propuseram até então. Montar um filme de terror era o que você imaginava? Ou o
desafio era bem diferente da sua expectativa?
Alfredo: Na verdade
foi muito mais divertido do que eu imaginava. No início do processo de
montagem, eu tive alguma dificuldade pra entrar no clima do filme, mas quando
terminei o primeiro corte junto com o diretor, senti que tínhamos um filme
aterrorizante. Kassandra me
surpreendeu, cresceu muito na montagem e imagino que o som ainda me reserva
muitas surpresas...
Além da questão do gênero, Kassandra ainda tem a característica de ser
uma narrativa essencialmente visual. Como foi trabalhar com isso? No que era
preciso ter atenção na hora de montar?
Alfredo: Eu não
sei se concordo com essa coisa da narrativa essencialmente visual. Concordo que
não são os diálogos que movem a história em Kassandra, e que o som assume a responsabilidade mais de criar
clima do que de narrar. Eu sempre procuro resolver a narrativa a partir das
imagens, e no Kassandra isso foi
tranquilo de botar em prática, porque estava tudo lá, todos os planos que eu
precisava estavam à disposição pra fazer a história andar, criar o ritmo
adequado, etc. Como sempre, meu maior esforço em termos de atenção é para
perceber as sutilezas de variações no acting.
Comente um pouco sobre a proposta de edição nas cenas dos pesadelos que
a personagem tem.
Alfredo: Essa
coisa que a gente usou nos pesadelos é uma tentativa de imitar o que o Francis Ford Coppola
fez no filme Drácula de Bram Stoker.
Eu corto o plano a cada 2 ou 3 frames e depois deleto pedaços de 2 frames. A
impressão é uma falha na filmagem, fica diferente de um fast foward normal. Eu
inventei essa maluquice no filme do Hique Montanari, Fogo, e uso só de vez em quando porque dá uma trabalheira danada
fazer esses cortes manualmente. Já tentei automatizar isso com o Automator, mas
às vezes ele me estraga o timeline todo e eu tenho que voltar pro backup, então
prefiro fazer na unha mesmo. Além desses cortes aleatórios, usamos uns
"ratinhos" (frames pretos) nas passagens que também provocam um
“efeito de defeito”. É uma forma de sujar o corte, criar uma textura, sei lá, é
uma brincadeira que fica interessante de ver na tela.
A função de um montador é também ser uma espécie de primeiro espectador
do filme, no sentido de quem primeiro vê as falhas que ele pode ter. O que você
quis mudar em relação ao roteiro e como foi a receptividade do diretor com as
suas ideias?
Alfredo: Bem, o
Walter Murch,famoso montador nos EUA, diz que o montador é o ombudsman do
público. Eu acredito nisso, pois, como eu não vou no set de filmagem, não tenho
apego com o material filmado. Mas vai além disso. Quando eu comecei a montar o
filme, tive dificuldade de entender a questão das cartas de Tarô que apareciam
com frequencia, pontuando cada momento mais intenso da narrativa. Eu fiz
questão de perguntar para o diretor o que significavam aquelas cartas no filme
e se o significado das cartas era importante pra entender a história. Me dei
conta de que se eu não estava entendendo nada, provavelmente o público também
não entenderia.
A equação é
simples: se era importante, precisava ser melhor resolvido para explicar para
aqueles que, como eu, não sacavam nada de Tarô. Se não era tão importante,
tínhamos que deixar claro pro espectador que ele não deveria perder tempo
tentando interpretar isso. A questão é, se você faz um close em um objeto/signo
cujo significado seja acessível apenas a um grupo seleto de espectadores,
certamente vai deixar o resto todo curioso ou, pior, se sentindo ignorante,
analfabeto.
Desde que
aprendemos a ver filmes, sabemos que quando aparece um plano de detalhe de
alguma coisa, significa que devemos prestar atenção porque aquilo vai ter
alguma importância na história. Se for o plano de uma faca, sabemos que alguém
vai usar ou já usou a tal faca e que isso vai ser determinante para o
desenrolar da trama ou mesmo para a sua solução. Se a faca não for importante,
pra que o plano detalhe? Tá, esqueça o patrocínio da Tramontina (risos), é
melhor evitar planos detalhes de coisas que não significam nada ou quase nada
no filme, sobretudo se forem cartas de tarô. Coloquei minhas ponderações sobre
o assunto de forma bem mais sutil do que expus aqui, até porque era o primeiro
filme com o Ulisses e não queria magoar o cara. Ele ouviu minhas súplicas,
consultou o roteirista, que concordou com o meu ponto de vista. Como eram dois
votos contra um, o Ulisses se convenceu e o tarô foi eliminado do filme.
Qual o elemento do filme que mais lhe impressionou?
Alfredo: O que
mais me impressionou no filme foi a atuação do Leandro Lefa. Brilhante. E não
estou sendo lisonjeiro, o Lefa é um grande ator no teatro, cinema, TV, etc. Sou
fã do trabalho dele.