Paciente: Sexo feminino. Vinte anos.
Estresse pós-traumático. Alucinações visuais.
Avistamentos de um vulto, o "homem grande".
Cartas de tarô, de origem desconhecida.
Muda.
Mora só.

quarta-feira, 27 de março de 2013

Primeiras impressões sobre Kassandra

Por enquanto, apenas equipe e elenco e alguns poucos convidados puderam ver Kassandra totalmente finalizado. Por enquanto, ele tem que permanecer inédito por conta das regras de seleção dos festivais de cinema.

Mas as poucas pessoas "de fora" que viram o filme fizeram vários comentários que nos deixaram esperançosos de que o nosso curta seja bem recebido pelo público em geral. Seguem abaixo algumas das impressões publicados Facebook afora na última semana:

Rogério Rodrigues, cineasta, diretor de 1 Pedido Incom1 (em captação): "Poderia falar muitas coisas, mas prefiro resumir: só me mexi na cadeira para pensar: 'já terminou?'. Sem dúvida um maravilhoso trabalho, onde a atriz Renata Stein parece conduzir o público pela mão".

Thaís Lima, publicitária e produtora artística: "E gente: PARABÉNS!!!! Trabalho maravilhoso!!!!!!!! Desde o primeiro, acho os curtas ótimos e por isso fico extremamente surpresa por perceber sempre um crescimento de vocês em cada produção! Muitos sentimentos misturados nesse filme: agonia, frio na espinha, ansiedade, nervosismo, expectativa!!!! Adorei! Adorei! Adorei!".

Henrique Abel, advogado e fãzaço de filmes de terror:  "Em tempo: o filme é excelente e me deixou muito entusiasmado. Acho que a recepção será imensamente positiva e, especialmente para os fãs de suspense e terror, o curta passa a ser simplesmente obrigatório a partir do momento em que for lançado. Eu já esperava que o filme fosse bom, mas o resultado superou as minhas melhores expectativas. 

Agradeço imensamente ao Ulisses por ter me dado essa maravilhosa colher de chá e pela oportunidade de ter meu nome nos agradecimentos de uma obra dessa qualidade."


Davi de Oliveira Pinheiro, cineasta, diretor de Porto dos Mortos: "2013 já garante um belo exemplar para a filmografia do Rio Grande do Sul. Chama-se Kassandra, de Ulisses Da Motta Costa.

Normalmente, odeio esse tipo de comparação porque é injusta ou incorreta, mas enquanto alguns tentam emular estilos, Ulisses faz parecer que o Roman Polansky dos anos 1960 pousou em São Leopoldo para fazer um filme. É um recorte (in)perfeito do estilo de Polansky, completamente diferente de O Gritador, que revela o Ulisses como um dos diretores mais versáteis do nosso pedaço de chão.

O filme flui com trama precisa e uma narrativa clara, sem firulas estilísticas, com foco nas ações e atuações dos atores. A montagem do Alfredo Barros é meu trabalho favorito dele até o momento, de uma fluidez que torna os mais de vinte minutos de projeção um breve suspiro, sem perder a densidade. 

Sobre atores, vale destacar a Renata Stein cuja inconstância contribui para o clima tenso que o Ulisses propõe.

Sou péssimo para elogiar filmes alheios, porque, como todo cineasta gaúcho, sou invejoso e no fim quero que o outro se dê mal, mas acho que "Kassandra" é dos filmes do Sul do Brasil que vão brilhar em 2013/2014".


quarta-feira, 20 de março de 2013

sexta-feira, 15 de março de 2013

Entrevista: Chico Pereira, compositor

Chico Pereira (à esquerda) gravando a música do filme junto com o engenheiro de som Roberto Coutinho (direita)



Versatilidade é uma das marcas mais visíveis (audíveis?) de Chico Pereira como músico. Ele compõe trilhas sonoras com a mesma facilidade com que faz solos de guitarra ou comanda uma mesa de gravação. 

Compositor, músico e produtor musical, em Kassandra ele teve um árduo trabalho, já que a sica começou a ser discutida antes mesmo da primeira versão do roteiro estar pronta. Confira como foi feita a música do curta:

Uma das ideias mais primordiais de Kassandra foi que a trilha sonora fosse diferente, não caindo nos clichês do cinema de suspense e de horror. Como se faz uma trilha assim, sem se apegar aos cânones da música para filmes? 

Chico: Difícil. É muito tentador, não? Tem tanta música boa e bem feita para filmes deste gênero. Me peguei inúmeras vezes, enquanto compunha para Kassandra, homenageando sem querer meus compositores favoritos. É complicado compor para suspense e horror e não "roubar" alguma coisa de Bernard Herrmann, por exemplo. Caras como ele compuseram cânones por algum motivo. E este motivo é que estes compositores são, muitas vezes, a bússola do diretor e do espectador. Este certo poder do compositor de música para filmes é fascinante, ao mesmo tempo em que pode ser uma imensa e assustadora responsabilidade. 

Em certas fases do meu trabalho em Kassandra, precisei me afastar do trabalho por um ou dois dias e "limpar" minha percepção auditiva. Acho que isto me ajudou a chegar no que, acredito, não seja um resultado clichê. Não se trata de escutar e estudar os cânones com atenção e fazer tudo ao contrário. Se trata, sim, de tentar colocar alguns tipos de ideia em diferentes contextos: um timbre diferente, uma linha melodica inesperada, uma pausa onde se esperaria uma percussão.


Por sinal, o filme tem vários planos concebidos desde o início para que a música fosse o destaque. Como você vê a função da música nestes momentos? Como é a relação entre diretor / compositor para chegar a um bom resultado neste tipo de trabalho?

Chico: A música em um filme, mesmo quando está em destaque, está trabalhando para o filme. Isso é a primeira coisa que me vem na cabeça, mesmo que o diretor oriente que o seu trabalho seja o protagonista naquele momento. No caso de Kassandra, o que me fascinou foi a oportunidade de a música ser, literalmente, a voz de uma personagem que não consegue falar. Por isso, tive um cuidado extra ao compor temas e melodias, especialmente para a personagem principal. Como representar uma personagem tão cheia de camadas, tão dúbia? Me ative muito a este tipo de questão.

O papel do diretor em relação ao compositor em um trabalho assim é de um parceria pouco comum. O compositor não conseguiria fazer - falo por mim, principalmente - um trabalho tão focado se o diretor não estivesse quase compondo junto a música do filme. É um trabalho exaustivo, exige muito do psicológico, muito mais do que das habilidades musicais propriamente ditas. O apoio e a orientação do Ulisses foram essenciais neste caso.


Antes mesmo do curta começar a ser filmado, você já estava envolvido com a produção, fazendo uma seleção de referências musicais para serem ouvidos por elenco e equipe. Além disso, você inclusive estava no set, colocando música enquanto as cenas eram filmadas. Qual a importância do seu envolvimento desde esta etapa inicial?

Chico: Sinceramente, não conheço ainda outro método de trabalho. Em todos os filmes que trabalhei, estive no set, em tempo integral na maioria das vezes. Em Kassandra, eu precisava de algo mais do que ler o roteiro e assistir ao corte final do filme. Como já disse, eram camadas demais para representar com música. Difícil captar isso sem estar lá. Agradeço ao Ulisses pela sugestão e pelo privilégio de ver a atuação assombrosa da Renata in loco.

Ao mesmo tempo, gostaria muito de ter a experiência de trabalhar em um filme sem estar no set, trabalhar com um olhar mais de fora - coisa que deve ser concretizada em breve com um projeto novo que está por vir, Luz Natural.



Mixando os 33 canais de música gravados para Kassandra


Fale um pouco do processo de composição e gravação. Como você criou a música e que programas e instrumentos foram usados nas gravações? Junto com o engenheiro de som Roberto Coutinho, você elaborou uma música experimental durante as cenas de pesadelo do filme. Vocês usaram sons de piano tocados de trás para diante, correto?


Chico: Compus em casa, tudo em MIDI. Tocava as linhas de todos os instrumentos em um controlador - para quem nao conhece, é basicamente um teclado que dispara sons de bibliotecas de timbres que estao no computador. Alguns destes timbres que usei nas minhas demos foram usados - sons sintetizados disfarçados de timbres mais orgânicos, o que era uma das minhas propostas conceituais da música, esta mistura de real e irreal.
 
Porém a maioria dos meus sons originais foram substituídos no Ampli Studio, em um trabalho de pesquisa que fiz com o Roberto Coutinho. Só existem dois elementos totalmente orgânicos na música: a voz da cantora Mariele Giovanaz e o violino de Isadora Raymundo (ambas com performances perfeitas para o que precisávamos). Mas, seguindo o conceito proposto, estes dois elementos foram transformados e processados, para que transparecessem um aspecto mais etéreo e melancólico.
 
A questão dos sons de piano é interessante. Já havíamos gravado algo parecido em outro filme, Ninho dos Pequenos, mas em contexto absolutamente diverso. Toquei diretamente nas cordas do piano de parede que fica no Ampli Studio, usando meus dedos, palheta, escova de limpeza, arco de violino e chave de fenda para tirar diferentes sons e efeitos. Quando cheguei na sala técnica, depois de gravar estes sons, o Roberto havia invertido eles e isto casou muito bem com o clima surrealista das cenas de pesadelo. Ficamos realmente assustados com o resultado alcançado.


O primeiro curta no qual você e Roberto estiveram envolvidos na música, Onírico, é de 2003, e desde então vocês trabalharam juntos em várias ocasiões, inclusive em todos os curtas dirigidos por Ulisses da Motta Costa (O Gritador, Ninho dos Pequenos e o vídeo pedagógico Cecília e a Guerra dos Farrapos). Como é esta parceria?


Chico: O Roberto e o irmão dele, Daniel, são meus amigos mais antigos. Nos conhecemos há mais de vinte anos. Tocamos em bandas juntos, gravamos juntos e ainda convivemos bastante nas horas de folga. Então, nos conhecemos muito bem, o que facilita demais o nosso trabalho. Tenho orgulho de dizer que nunca precisamos brigar para fazer alguns belos trabalhos, não só nos filmes, mas também na publicidade e em outros trabalhos musicais. Além disso, graças a este cara consigo hoje gravar minhas músicas em casa, por exemplo. A maioria do que sei da parte mais técnica na área do som e de gravações, aprendi observando ele trabalhar. E o Roberto tem a calma e a concentraçao pra captar muitas coisas que quero fazer e às vezes nao sei como.

Daí, se juntarmos o Ulisses nessa história, "os 3 patetas" complementam seus talentos e conseguimos evoluir muito juntos. Espero que a gente possa seguir sempre nestas parcerias.

segunda-feira, 11 de março de 2013

Cartaz alternativo de Kassandra

Vocês já viram o cartaz oficial de Kassandra, certo? Então agora deem uma olhada na versão alternativa, que terá uso especial para festivais e mostras, junto com o oficial.

O cartaz é de Daniel Coutinho sobre arte do roteirista Roger Monteiro:




sexta-feira, 8 de março de 2013

Todas as mulheres de Kassandra



Ano passado, nós já tínhamos rendido merecidas homenagens às mulheres maravilhosas que se dedicaram intensamente à realização de Kassandra. Porém, desde então, o time feminino aumentou -- e nunca é demais lembramos do envolvimento de pessoas tão incríveis neste projeto.

Até porque este filme trata de mulheres, tem uma mulher como sua heroína e, como eu comentei nestes dois textos, há algo de intrinsecamente feminino na narrativa de terror/horror -- uma vingança sobre os verdadeiros terrores do mundo masculino? Enfim, não vem ao caso.

A primeira pessoa convidada para o curta foi uma mulher, a própria Renata Stein, protagonista do filme; as últimas também foram mulheres: as musicistas Isadora Raymundo e Mariele Giovanaz, que deram a Kassandra a voz que a personagem não tinha. Um círculo tão perfeito que parece até que pensamos nisso.

Tenho as melhores memórias de cada uma das gurias do filme. Da Renata são inúmeras, mas gosto da nossa primeira conversa, ela comendo um cheescake e dizendo para mim: "Eu vou pensar, Uli, mas na verdade eu já topei". Da Ramona Barcellos, nossa "chefa", eu lembro de pensar que não haveria ogro que não tremesse na frente daqueles olhos praticamente sem fim de tão azuis. 

Depois vieram o grupo de ex-alunas minhas, todas meninas talentosíssimas de espírito único: a Giulia De Cesero da risada incontida, a Isabela Boessio dos olhos verdes imensos, a Marina Cardozo incansável que não arredava o pé do set por motivo nenhum do mundo. Marina, aliás, que proferiu ao final da segunda diária um "Eu amo muito essa equipe", resumindo o ambiente das filmagens. E a Suzana Witt, talvez a atriz mais generosa que eu conheci, nunca dizendo não quando chamada para dar jeito em abacaxis nos nossos projetos (mesmo quando não atua).

A menos de um mês antes de começarmos a rodar, completa a equipe a infalível Ana Gusson -- que, entre formatura e a finalização do seu próprio curta, conseguiu se dedicar a Kassandra de corpo e alma (invejo essa capacidade, juro). Para as filmagens, ajuda extra da linda Cristina Salib (que aceitou fazer claquete numa diária apenas porque gosta de nós) e da minha amiga de velha data, Elena Meneghetti, que topou a proposta indecente de estrelar o "filme dentro do filme" com um desprendimento que ninguém acreditava possível.

E, nos últimos meses, uma constelação de artistas incríveis e seus instrumentos divinos: a musa Ingrid Bonini e sua voz linda; a Mariele com seu canto perfeito; a Isadora e seu violino melancólico; a Lígia Tiemi Sumi e seus inacreditáveis brinquedos tecnológicos que estão transformando a imagem de Kassandra no sonho em preto-e-branco mais lindo que eu já tive. 

Hoje, o dia não é para dar parabéns a vocês; hoje é o dia de agradecer por tudo que vocês têm feito por este filme. Sem vocês, seríamos um bando de homens perdidos, achando que sabem o que estão fazendo (e rezando para não dar nada errado).

Então... Obrigado, gurias. Cês são foda!

Ulisses da Motta Costa

Legenda da foto: No alto, da esq. para a dir: Cristina Salib (claquete), Isadora Raymundo (violino), Giulia De Cesero (figurino), Ramona Barcellos (produtora), Ana Gusson (diretora de arte), Isabela Boessio (figurino).
Embaixo, da esq. para a dir: Mariele Giovanaz (voz), Marina Cardozo (2a assistente de direção), Lígia Tiemi Sumi (finalização de imagem), Suzana Witt (atriz), Ingrid Bonini (atriz), Elena Meneghetti (estrela do "filme dentro do filme")
Ao centro: Renata Stein (atriz)

quinta-feira, 7 de março de 2013

O cartaz de Kassandra

O filme está quase pronto... Confira o cartaz oficial de Kassandra, feito por Daniel Coutinho:


domingo, 3 de março de 2013

E se Kassandra fosse em cores?

A colorista Lígia Tiemi Sumi fez uma experiência, quase sem querer, durante o processo transformação dos planos de Kassandra em preto-e-branco. Em dado momento do trabalho, o software aplicou uma correção baseada numa memória de outro trabalho. 

E o resultado, ao invés de deixar a cena em preto-e-branco, transformou suas cores em algo etéreo. Se Kassandra fosse em cores, poderia ser assim:



Mas não se preocupem: não será colorido. Porque o preto-e-branco elaborado na fotografia de Pablo Chasseraux é ainda mais belo. Aguardem, em breve colocaremos alguns stills já finalizados.

domingo, 24 de fevereiro de 2013

Terminando a trilha sonora




Um dos mais antecipados elementos de Kassandra, a música, está na reta final. Composta por Chico Pereira, a trilha tem sido gravada por ele e pelo engenheiro de som Roberto Coutinho desde janeiro, no Ampli Studio. Nesta última semana, foram gravados os últimos instrumentos que faltavam: voz e violino.

A maior parte dos temas musicais foram gravados e reproduzidos em sintetizadores variados; além disso, Chico tocou alguns trechos de piano e, junto com Roberto, gravou algumas experimentações percussivas. Estes takes foram invertidos para reforçar os aspectos psicológicos e surreais do filme.

Mas era consenso que a trilha de Kassandra precisava de mais elementos orgânicos, e por isso Chico resolveu inserir uma voz e um violino -- ambos executados por mulheres. A voz ficou a cargo de Mariele Giovanaz (acima), e Isadora Raymundo gravou o violino (abaixo). Nos dois casos, elas fizeram a melodia do tema principal do filme para momentos distintos da projeção, além de sons experimentais.


Agora, a trilha está na fase de edição e mixagem. Em breve, poderá ser ouvida aqui no blog. Aguarde!

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Entrevista: Alfredo Barros, montador


Montador premiado e requisitado, discípulo de Giba Assis Brasil, professor universitário: Alfredo Barros é um dos nomes ilustres a constar nos créditos de Kassandra. Nesta entrevista, ele revela os detalhes do processo de editar o curta-metragem -- e ainda dá uma aula sobre montagem de cinema:




Você aceitou o projeto por ser o primeiro filme de terror que lhe propuseram até então. Montar um filme de terror era o que você imaginava? Ou o desafio era bem diferente da sua expectativa?

Alfredo: Na verdade foi muito mais divertido do que eu imaginava. No início do processo de montagem, eu tive alguma dificuldade pra entrar no clima do filme, mas quando terminei o primeiro corte junto com o diretor, senti que tínhamos um filme aterrorizante. Kassandra me surpreendeu, cresceu muito na montagem e imagino que o som ainda me reserva muitas surpresas...

Além da questão do gênero, Kassandra ainda tem a característica de ser uma narrativa essencialmente visual. Como foi trabalhar com isso? No que era preciso ter atenção na hora de montar?

Alfredo: Eu não sei se concordo com essa coisa da narrativa essencialmente visual. Concordo que não são os diálogos que movem a história em Kassandra, e que o som assume a responsabilidade mais de criar clima do que de narrar. Eu sempre procuro resolver a narrativa a partir das imagens, e no Kassandra isso foi tranquilo de botar em prática, porque estava tudo lá, todos os planos que eu precisava estavam à disposição pra fazer a história andar, criar o ritmo adequado, etc. Como sempre, meu maior esforço em termos de atenção é para perceber as sutilezas de variações no acting.

Comente um pouco sobre a proposta de edição nas cenas dos pesadelos que a personagem tem. 

Alfredo: Essa coisa que a gente usou nos pesadelos é uma tentativa de imitar o que o Francis Ford Coppola fez no filme Drácula de Bram Stoker. Eu corto o plano a cada 2 ou 3 frames e depois deleto pedaços de 2 frames. A impressão é uma falha na filmagem, fica diferente de um fast foward normal. Eu inventei essa maluquice no filme do Hique Montanari, Fogo, e uso só de vez em quando porque dá uma trabalheira danada fazer esses cortes manualmente. Já tentei automatizar isso com o Automator, mas às vezes ele me estraga o timeline todo e eu tenho que voltar pro backup, então prefiro fazer na unha mesmo. Além desses cortes aleatórios, usamos uns "ratinhos" (frames pretos) nas passagens que também provocam um “efeito de defeito”. É uma forma de sujar o corte, criar uma textura, sei lá, é uma brincadeira que fica interessante de ver na tela.

A função de um montador é também ser uma espécie de primeiro espectador do filme, no sentido de quem primeiro vê as falhas que ele pode ter. O que você quis mudar em relação ao roteiro e como foi a receptividade do diretor com as suas ideias?

Alfredo: Bem, o Walter Murch,famoso montador nos EUA, diz que o montador é o ombudsman do público. Eu acredito nisso, pois, como eu não vou no set de filmagem, não tenho apego com o material filmado. Mas vai além disso. Quando eu comecei a montar o filme, tive dificuldade de entender a questão das cartas de Tarô que apareciam com frequencia, pontuando cada momento mais intenso da narrativa. Eu fiz questão de perguntar para o diretor o que significavam aquelas cartas no filme e se o significado das cartas era importante pra entender a história. Me dei conta de que se eu não estava entendendo nada, provavelmente o público também não entenderia.

A equação é simples: se era importante, precisava ser melhor resolvido para explicar para aqueles que, como eu, não sacavam nada de Tarô. Se não era tão importante, tínhamos que deixar claro pro espectador que ele não deveria perder tempo tentando interpretar isso. A questão é, se você faz um close em um objeto/signo cujo significado seja acessível apenas a um grupo seleto de espectadores, certamente vai deixar o resto todo curioso ou, pior, se sentindo ignorante, analfabeto.

Desde que aprendemos a ver filmes, sabemos que quando aparece um plano de detalhe de alguma coisa, significa que devemos prestar atenção porque aquilo vai ter alguma importância na história. Se for o plano de uma faca, sabemos que alguém vai usar ou já usou a tal faca e que isso vai ser determinante para o desenrolar da trama ou mesmo para a sua solução. Se a faca não for importante, pra que o plano detalhe? Tá, esqueça o patrocínio da Tramontina (risos), é melhor evitar planos detalhes de coisas que não significam nada ou quase nada no filme, sobretudo se forem cartas de tarô. Coloquei minhas ponderações sobre o assunto de forma bem mais sutil do que expus aqui, até porque era o primeiro filme com o Ulisses e não queria magoar o cara. Ele ouviu minhas súplicas, consultou o roteirista, que concordou com o meu ponto de vista. Como eram dois votos contra um, o Ulisses se convenceu e o tarô foi eliminado do filme.

Qual o elemento do filme que mais lhe impressionou?

Alfredo: O que mais me impressionou no filme foi a atuação do Leandro Lefa. Brilhante. E não estou sendo lisonjeiro, o Lefa é um grande ator no teatro, cinema, TV, etc. Sou fã do trabalho dele.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Entrevista: Ana Gusson, diretora de arte

Ana Gusson é uma jovem diretora de arte, mas já requisitada no mercado. Sua participação em Kassandra foi emendada antes e depois com variados projetos, incluindo o curta A Princesa e a Ervilha, realizado como parte do seu trabalho de conclusão em design pela ESPM Porto Alegre.

Confira como foi o trabalho da arte num filme preto-e-branco, repleto de elementos:




Qual o aspecto mais interessante que você vê em Kassandra? Especialmente na questão do conceito visual do filme?

Ana: Me admira a capacidade da história de transitar entre o sombrio e o delicado e inocente, de forma natural. Da mesma forma, o conceito visual do filme, centralizado no preto-e-branco, faz o mesmo movimento. Foi muito interessante trabalhar em torno dessa perspectiva. Um mesmo cenário/objeto, mostrado duas vezes, muda sua personalidade sem ter passado por uma transformação. Para que isso desse certo, direção, fotografia, arte, atuação, tudo teve que ser muito bem trabalhado e sintonizado.

Além disso, quando li no roteiro os objetos da história, sempre precisos, fizeram com que eu me apaixonasse pelo projeto. A história toda se conecta através deles, tanto na questão narrativa quanto na visual. Achei fascinante.

Qual era o maior desafio para a arte em Kassandra? Era o fato do filme ser em preto-e-branco?

Ana: Sim, o fator preto-e-branco foi um desafio e tanto. Geralmente, um dos maiores esforços da arte é a busca pela paleta de cores certa para cada filme, cada cena, cada sentimento. No caso de Kassandra, as cores deixaram de ser uma preocupação maior, para dar lugar às texturas e aos contrastes.

Trabalhar com preto e branco pode parecer muito fácil, quando na verdade é bastante complexo. Nem sempre as cores, quando transpassadas para os tons de cinza, reagem da forma como esperamos. O vermelho foi o nosso maior desafio, pois ao invés de se tornar um tom escuro e denso, virou um pobre e pálido cinza.

Ainda assim, acho que o maior desafio da arte de verdade foi tentar criar um conceito visual que refletisse a delicadeza e a fragilidade da personagem, sem negar o seu lado obscuro. O preto-e-branco foram extremamente cruciais pra construir essa imagem, mas tivemos de ter muita cautela pra não exagerar nos cenários ou peso visual dos objetos, de forma que eles não quebrassem a delicadeza e cair só no sombrio. 

Fale um pouco sobre a locação do filme: onde era, como foi trabalhar lá, as facilidades e dificuldades a respeito dela.

Ana: Trabalhar em locação não é fácil, todo o cuidado é pouco. Ainda mais tendo cenas com sangue, brigas e mortes (pode falar?) em meio a móveis e objetos emprestados (delicados, valiosos, frágeis, e a lista segue longe), cujos donos estão confiando no profissionalismo da equipe. Alguma coisa sempre acontece pra perturbar a paz. Se não é o sangue falso melequento escorrendo no sofá, é um tropeço no pé da mesa com tampo de vidro. Repito: todo cuidado é pouco! Haja produção de set pra segurar as pontas.

A nossa locação era ótima. Além de muito adequada às necessidades e ao conceito do filme, o espaço era amplo e muito do que havia no local foi utilizado na arte. Poucas foram as preocupações com relação à adaptação do apartamento. As dores de cabeça se concentraram mais no compromisso de manter o lugar em ordem da forma como nos foi emprestado.



Ana analisando o apartamento onde Kassandra foi filmado


Você estava recém-terminando sua graduação em design e assumiu a direção de arte de Kassandra. Como é ter essa responsabilidade assim, no início da carreira, junto com uma equipe que tem profissionais que estão há mais tempo no mercado?

Ana: Já havia trabalhado com o diretor Ulisses Costa e a equipe antes, mas em uma produção bem menor. A proposta de Kassandra era completamente diferente e bem mais desafiadora. Quando recebi o convite para participar da equipe de Kassandra como diretora de arte, confesso que duvidei no início, achei que fosse brincadeira (risos). Até achei que o Ulisses tinha se confundido e que eu ia ser assistente de arte. Isso sim parecia mais plausível. Mas quando percebi que a confusão era só da minha parte mesmo, não deu pra deixar de me sentir muito feliz, sinal de que gostaram do meu trabalho, né?

Li o roteiro e adorei, isso por si só me deu muita vontade de fazer um bom trabalho, estar em uma equipe repleta de profissionais competentes e mais experientes do que eu só me motivou a buscar um nível ainda mais alto. Além disso, as experiências anteriores dos outros membros da equipe me ajudaram e me ensinaram muito. Só tenho a agradecer por estar em meio à profissionais incríveis que me inspiraram e me apoiaram muito.

Você fez um curta-metragem para o seu trabalho de conclusão, A Princesa e a Ervilha, que também tem elementos de fantasia. O que você pôde aproveitar daquele projeto em Kassandra?

Ana: A Princesa e a Ervilha foi uma experiência e tanto, me ensinou muito sobre direção de arte e a realização audiovisual como um todo. Mas a atenção aos detalhes foi o que mais me marcou e que em seguida aproveitei em Kassandra. Ambas são histórias de suspense e suas narrativas são pontuadas por pequenos elementos determinantes ao destino dos personagens. Identificar e destacar esses elementos é o ponto de partida para a construção do visual do filme, esse “método”, digamos assim, me ajudou muito em Kassandra.

Durante o processo de crowdfunding, você foi uma das pessoas da equipe que mais divulgou e mobilizou pessoas para que a meta de arrecadação fosse atingida. Como foi a emoção deste processo e qual é a importância do financiamento coletivo para o projeto de Kassandra?

Ana: Foi muito emocionante ver meus familiares e amigos ajudando o projeto. Todos gostaram muito da proposta do filme e quiseram colaborar. E por mais contente que eu ficasse a cada contribuição, os próprios contribuintes é que eram os mais empolgados. Ver o envolvimento de pessoas queridas foi muito bacana, de verdade. O processo do. financiamento coletivo sempre esteve nos planos do curta, uma grande parte dos gastos seria coberta por ele. A maior evidência de que o sucesso do financiamento foi muitíssimo importante é que agora o lançamento de Kassandra já tá quase aí. ;)