Estamos devendo algumas novidades, certo? Não estamos mais: em
breve, lançaremos uma versão em HQ de Kassandra! Sim, nossa heroína muda saiu
da tela direto para uma graphic novel com arte e texto assinados pelo
roteirista do curta, Roger Monteiro.
A ideia vem sendo gestada e desenvolvida desde o ano
passado. Tendo como base os planos do filme, Roger (que também é artista
gráfico e designer) começou a desenvolver o projeto de forma autônoma e
independente. Ele mesmo admite que foi uma forma de se manter um pouco mais
ligado à personagem. "É fácil se apegar a ela, principalmente quando você
tem uma predisposição a se interessar por garotas doidas e malvadas em preto e
branco", diz.
Kassandra, A Graphic Novel será um pouco diferente da versão do
filme, já que ela tenta recontar a história sob o ponto de vista da personagem.
A distinção começa pelo visual: o curta é em preto-e-branco, mas a HQ terá
cores. "Não cores realistas, mas algo de sonho, quase lisérgico",
comenta Roger. Além disso, Kassandra também agora se expressa verbalmente, pelo
menos em texto. "Na verdade, temos acesso aos pensamentos da personagem,
que são apresentados em versos, rimados, que fazem com que eles gerem um fluxo
de consciência".
O trabalho de transformar os takes do filme em imagens com grafismos
e de escrever o texto rimado começou em dezembro de 2013. Em breve, a HQ terá
um lançamento oficial em versão digital e terá distribuição online. Aguarde a
data!
Veja algumas das artes da HQ e, mais abaixo, uma entrevista
com Roger Monteiro (com uma informação crucial na última resposta):
Roger, por que fazer uma HQ
de Kassandra?
Roger Monteiro: À
medida em que foram acontecendo exibições públicas do filme, eu comecei a
criar alguns splashes gráficos para divulgá-las, sobretudo na minha página
pessoal do Facebook e, como se tratava de um material não-oficial de divulgação
de Kassandra, tomei uma série de liberdades estéticas e reinterpretei alguns
dos seus elementos. Primeiramente, me mantive no preto e branco, depois, passei
a usar algumas pinceladas de vermelho - o que aumentou a carga dramática dessas
imagens - e, por último, por ocasião da sessão dupla com A Princesa, na Feira do Livro de 2013, experimentei trazer para essas
peças alguma cor. Não cores realistas, mas algo de sonho, quase lisérgico, algo
que conflitasse um pouco com a fotografia realista do filme.
E gostei tanto do resultado que passei a me perguntar se
esse tipo de trabalho cromático não poderia ser, de alguma forma, aplicado ao
próprio filme. É claro que, àquela altura das coisas, isso não seria possível,
então resolvi produzir um suporte próprio para explorar essa estética, e nasceu
a ideia da história em quadrinhos.
Explique como
tecnicamente a HQ está sendo feita: como transformar o filme em imagens e
texto.
Roger: Os
quadrinhos estão sendo editados sobre frames do próprio filme. Comecei isolando
325 frames do corte definitivo de Kassandra, de modo a ter o que seria o
esqueleto estático da narrativa em movimento. A partir daí, se tornou uma
questão de editar esses frames graficamente para consolidar uma nova estética
em que a narrativa continuasse funcionando. Se no filme, conseguimos alcançar a
claustrofobia e a angústia que queríamos transmitir através da ausência de fala
e da música, nas páginas dos quadrinhos - silenciosos por natureza - eu
precisaria de um outro elemento para cumprir essa função, e, por isso, a
Kassandra do quadrinho “fala”. Na verdade, temos acesso aos pensamentos da
personagem, que são apresentados em versos, rimados, que fazem com que eles
gerem um fluxo de consciência em que raramente existem pausas para uma
respiração maior, já que as rimas se encaixam umas nas outras.
Em outras palavras, o que na tela conseguimos pelo silêncio,
nas páginas eu consigo - ou espero conseguir - por essa verborragia mental da
Kassandra. Um outro aspecto que surgiu ao longo da coisa toda foi que, já que
estamos lidando com a visão da Kassie sobre os fatos, e estamos tratando com
uma garota com sérias perturbações mentais, eu achei que poderia ser
interessante materializar os sentimentos dela enquanto grafismos, enquanto
distorções visuais que dialogam com o que ela sente a respeito dos outros e a
respeito de si mesma. Isso, em algumas horas, nos leva à presença de criaturas
disformes, monstruosas ou extremamente delicadas e etéreas, o que dá uma forma
instável a praticamente todas as personagens.
Como que essa graphic
novel se envolve com o universo do filme? Kassandra pode gerar mais obras
artísticas para além do curta?
Roger: Quando
fechamos o roteiro de Kassandra deixamos lacunas para gerar ruídos e
interpretações, mas nunca pensamos que elas iriam tão longe. Ao longo das
exibições, as pessoas trazem até nós teorias elaboradas, mirabolantes,
estapafúrdias mas sempre muito ricas. O fato de eu ter escrito o roteiro não
faz com que eu me torne imune a isso e algumas das minhas próprias visões sobre
o filme foram mudando com o tempo. De certa forma, os quadrinhos estão aí para
cristalizar as minhas interpretações pessoais e dar algumas respostas para
algumas perguntas. É claro que, ao fazer isso, eu acabo criando outras lacunas
e a coisa toda recomeça.
É a mesma história, mas a abordagem é diferente. Se
Kassandra, o filme, se dá em uma terceira pessoa onisciente, Kassandra, os
quadrinhos, acontecem no nível da primeira pessoa. É a versão da Kassie - a
minha - sobre os fatos, ou pelo menos sobre o que ela pensa - eu penso - que
são os fatos. Se outras obras podem nascer desse universo? Sempre. Por que não
os diários do Terapeuta? Por que não um soft porn com os delírios sexuais do
Vizinho? Talvez até o Homem Grande pudesse vir a se expressar de alguma forma.
Basta alguém se dispor a realizar.
É verdade que a HQ
começou porque tu tinhas dificuldade de se desvincular da Kassandra?
Roger: Sim.
Apesar de eu ter sido acusado em público pelo diretor do filme de ser um
criador relapso, houve dois momentos de envolvimento com a história toda. O
primeiro, é claro, foi durante a escrita do roteiro. Depois, me afastei, e só
retornei quando o filme já estava pronto. Foi quando eu conheci a Kassandra de
verdade. A partir daí e, principalmente, por conta de todo o envolvimento com a
história do filme em Gramado e com todas as outras exibições que se seguiram, e
de tanto discutir, debater e conjecturar com as pessoas, sobre as lacunas que
mencionei, e de começar a brincar graficamente com as imagens do filme para os splashes,
sobre os quais eu também já falei, eu me apeguei muito à Kassie - ao ponto de
começar a chamá-la por esse apelido. E é fácil se apegar a ela, principalmente
quando você tem uma predisposição a se interessar por garotas doidas e malvadas
em preto e branco. Kassie, ao seu modo, é herdeira de toda uma linhagem de
femmes fatales do cinema. Eu adoro femmes fatales.
E, para finalizar, eu só queria deixar uma pequena
provocação: o final da história em quadrinhos é diferente.