Paciente: Sexo feminino. Vinte anos.
Estresse pós-traumático. Alucinações visuais.
Avistamentos de um vulto, o "homem grande".
Cartas de tarô, de origem desconhecida.
Muda.
Mora só.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Entrevista: Roberto Coutinho, Leandro Lefa e o som em Kassandra


Hora da dupla que fez o áudio de um filme quase mudo se manifestar. Roberto Coutinho (que também é produtor executivo) e Leandro Lefa (que também é ator) acumularam suas funções originais em Kassandra com a edição e mixagem do som.

Parece simples? Não quando 99% do filme teve seu áudio inteiramente criado em estúdio. Confira a entrevista!

Kassandra é um filme quase sem diálogos, baseado no visual. Como fica o papel do som num projeto assim? Vocês utilizaram som direto e depois recriaram elementos sonoros em estúdio? Comentem um pouco o processo do som de maneira geral.

Roberto Coutinho: No momento em que a narrativa não é conduzida pelo diálogo, o som ganha uma importância maior ainda. Cada elemento sonoro teve que ser pensado e discutido detalhadamente para ajudar o espectador no processo de imersão no universo de Kassandra. Como a protagonista transita entre o mundo real e o criado em sua mente, os sons não tem uma morfologia estanque. Alguns elementos se repetem nestes dois mundos, como objetos caindo ou portas batendo, por exemplo. Mas de uma forma onírica, estes sons se baseiam no mundo físico, sofrendo ligeiras distorções criadas pela mente. E isto os torna estranhos, desconfortáveis e até assustadores! 

Acredito que o maior desafio aqui foi recriar estes elementos sonoros com leves distorções psicoacústicas, convidando o espectador a experimentar a confusão de um desligamento parcial do mundo físico, perdendo-se entre o ambiente captado pelos sentidos e aquele criado pela imaginação.

Leandro Lefa: Como o filme não é conduzido por texto, por falas, as imagens - visuais e sonoras - assumem o primeiro plano da atenção do espectador. Com isso em mente, criamos praticamente todo o som do filme em estúdio. Como os sons são gravados individualmente (passos, respirações, cada objeto...), podemos dar a cada um deles uma característica que funcione no sentido criar o universo dos personagens. Esse objetivo ainda é potencializado pela liberdade total de mixar esses sons na proporção necessária. Assim pudemos criar momentos muito silenciosos de Kassandra, sozinha em seu grande apartamento, e momentos de sons abruptos, ríspidos, que invadem a tranquilidade da personagem - para exemplificar com um dos elementos propostos por Ulisses. Acredito que isso, a música e a montagem de vídeo fazem o filme fluir muito bem.

Leandro, você atuou e recebeu o convite para trabalhar no som depois. Você já tinha acumulado estas duas funções em outros trabalhos, certo? Qual a diferença que você vê em Kassandra em relação a estes projetos, nestas duas áreas?

Lefa: Já fiz isso outras vezes, como no longa Porto dos Mortos ou na websérie Desconectados, mas em Kassandra minha participação no som teve uma proporção maior. Eu sou artista de foley e editor de som, mas estive presente na mixagem do Roberto. Ele, claro, esteve presente em tudo no som e trabalhamos colaborando muito um com o outro o tempo todo. E acho que foi a primeira vez que atuei sem saber que ia trabalhar no som do filme.

O que vocês usaram de inusitado para criar sons no estúdio (os chamados foleys) durante a pós-produção do curta?

Lefa: Ruídos de sala ou foley (nome em inglês, em uma homenagem ao seu criador, Jack Foley), são sons gravados em estúdio e adicionados à banda sonora do filme na pós-produção. Em Kassandra, algumas das poucas falas vêm do som direto. Os demais sons são criados no estúdio.

A maioria deles é feita de maneira bem óbvia. Passos por exemplo: são passos. E o telefone tocando é um telefone tocando.

Mas alguns dos óbvios são divertidos: uma pessoa despencando em cima de um sofá, é uma pessoa despencando em cima de um sofá.

Tem alguns curiosos: o som do passarinho batendo asas na gaiola, é o som de feixes de elástico sendo agitados. Já as patas no poleiro, são baquetas do tipo vassourinha, de nylon, tocando outras baquetas, convencionais. 

Mas com certeza o mais engraçado é o som da brisa que entra pela porta do apartamento: somos eu e o Chico Pereira, compositor da trilha musical, fazendo um “dueto vocal” de som de vento. A execução é no mínimo cômica, mas embora seja usado com muita sutileza, o resultado é muito eficiente. 

Roberto, você também trabalhou com Chico Pereira na trilha sonora. Qual a importância de ter feito essa ponte direta entre o trabalho do som e o da música?

Roberto: É sempre muito prazeroso trabalhar com o Chico na trilha sonora. Ele consegue fazer a leitura dos conceitos no filme e criar um universo musical que complementa muito bem a narrativa. Uma qualidade que vejo em sua composição é que ele não fica na região de conforto do instrumento que domina, no caso a guitarra, ou dos estilos musicais que conhece mais profundamente. A cada novo trabalho, começamos fazendo uma pesquisa de instrumentos, timbres e estilos mais adequados. Depois, o Chico compõe os temas e então trabalhamos em cima disto para criar a música. 

Explique para nós o que é music sound design.

Music sound design é um termo contemporâneo que descende de um conceito antigo. A ideia básica do sound design é criar ou "desenhar" sonoridades novas através sons criados eletronicamente ou utilizando objetos reais de forma não convencional. Isto sempre foi muito explorado no cinema, principalmente em filmes de ficção científica, onde se inventa um som que não existe, como de uma arma laser ou um disco voador, por exemplo. 

Nos últimos anos, com a onipresença da tecnologia digital na produção musical, o conceito de sound design se ampliou e entranhou-se na música também. O uso de instrumentos eletrônicos nos anos 60 e 70 evoluiu para a música contemporânea, permitindo utilizar todo e qualquer som, produzido pelo mais diferente processo imaginável e amparado pela tecnologia digital. Estes timbres são "desenhados" a partir de elementos diversos, como sintetizadores ou sons orgânicos manipulados. Music Sound Design é o nome dado a este trabalho de criar timbres e efeitos sonoros para utilização como matéria-prima em uma composição musical.

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