Hora da dupla que fez o áudio de um filme quase mudo se manifestar. Roberto Coutinho (que também é produtor executivo) e Leandro Lefa (que também é ator) acumularam suas funções originais em Kassandra com a edição e mixagem do som.
Parece simples? Não quando 99% do filme teve seu áudio inteiramente criado em estúdio. Confira a entrevista!
Kassandra é
um filme quase sem diálogos, baseado no visual. Como fica o papel do som num
projeto assim? Vocês utilizaram som direto e depois recriaram elementos sonoros
em estúdio? Comentem um pouco o processo do som de maneira geral.
Roberto Coutinho:
No momento em que a narrativa não é conduzida pelo diálogo, o som ganha uma
importância maior ainda. Cada elemento sonoro teve que ser pensado e discutido
detalhadamente para ajudar o espectador no processo de imersão no universo de Kassandra. Como a protagonista transita
entre o mundo real e o criado em sua mente, os sons não tem uma morfologia
estanque. Alguns elementos se repetem nestes dois mundos, como objetos caindo
ou portas batendo, por exemplo. Mas de uma forma onírica, estes sons se baseiam no
mundo físico, sofrendo ligeiras distorções criadas pela mente. E isto os torna
estranhos, desconfortáveis e até assustadores!
Acredito que o maior desafio aqui foi recriar estes
elementos sonoros com leves distorções psicoacústicas, convidando o espectador
a experimentar a confusão de um desligamento parcial do mundo físico,
perdendo-se entre o ambiente captado pelos sentidos e aquele criado pela
imaginação.
Leandro Lefa: Como
o filme não é conduzido por texto, por falas, as imagens - visuais e sonoras -
assumem o primeiro plano da atenção do espectador. Com isso em mente, criamos
praticamente todo o som do filme em estúdio. Como os sons são gravados
individualmente (passos, respirações, cada objeto...), podemos dar a cada um
deles uma característica que funcione no sentido criar o universo dos
personagens. Esse objetivo ainda é potencializado pela liberdade total de mixar
esses sons na proporção necessária. Assim pudemos criar momentos muito
silenciosos de Kassandra, sozinha em seu grande apartamento, e momentos de sons
abruptos, ríspidos, que invadem a tranquilidade da personagem - para
exemplificar com um dos elementos propostos por Ulisses. Acredito que isso, a
música e a montagem de vídeo fazem o filme fluir muito bem.
Leandro,
você atuou e recebeu o convite para trabalhar no som depois. Você já tinha
acumulado estas duas funções em outros trabalhos, certo? Qual a diferença que
você vê em Kassandra em relação a estes projetos, nestas duas áreas?
Lefa: Já fiz isso outras vezes, como no longa Porto dos Mortos ou na websérie Desconectados, mas em Kassandra minha participação no som teve uma proporção maior. Eu sou artista de foley e editor de som, mas estive presente na mixagem do Roberto. Ele, claro, esteve presente em tudo no som e trabalhamos colaborando muito um com o outro o tempo todo. E acho que foi a primeira vez que atuei sem saber que ia trabalhar no som do filme.
O que vocês
usaram de inusitado para criar sons no estúdio (os chamados foleys) durante a
pós-produção do curta?
Lefa: Ruídos
de sala ou foley (nome em inglês, em uma homenagem ao seu criador, Jack Foley),
são sons gravados em estúdio e adicionados à banda sonora do filme na
pós-produção. Em Kassandra, algumas das poucas falas vêm do som direto. Os
demais sons são criados no estúdio.
A maioria deles é feita de maneira bem óbvia.
Passos por exemplo: são passos. E o telefone tocando é um telefone tocando.
Mas alguns dos óbvios são divertidos: uma pessoa
despencando em cima de um sofá, é uma pessoa despencando em cima de um sofá.
Tem alguns curiosos: o som do passarinho batendo
asas na gaiola, é o som de feixes de elástico sendo agitados. Já as patas no
poleiro, são baquetas do tipo vassourinha, de nylon, tocando outras baquetas,
convencionais.
Mas com certeza o mais engraçado é o som da brisa
que entra pela porta do apartamento: somos eu e o Chico Pereira, compositor da
trilha musical, fazendo um “dueto vocal” de som de vento. A execução é no
mínimo cômica, mas embora seja usado com muita sutileza, o resultado é muito
eficiente.
Roberto,
você também trabalhou com Chico Pereira na trilha sonora. Qual a importância de
ter feito essa ponte direta entre o trabalho do som e o da música?
Roberto:
É sempre muito prazeroso trabalhar com o Chico na trilha sonora. Ele consegue
fazer a leitura dos conceitos no filme e criar um universo musical que
complementa muito bem a narrativa. Uma qualidade que vejo em sua composição é
que ele não fica na região de conforto do instrumento que domina, no caso a
guitarra, ou dos estilos musicais que conhece mais profundamente. A cada novo
trabalho, começamos fazendo uma pesquisa de instrumentos, timbres e estilos
mais adequados. Depois, o Chico compõe os temas e então trabalhamos em cima
disto para criar a música.
Explique
para nós o que é music sound design.
Music sound design é um termo contemporâneo que
descende de um conceito antigo. A ideia básica do sound design é criar ou
"desenhar" sonoridades novas através sons criados eletronicamente ou
utilizando objetos reais de forma não convencional. Isto sempre foi muito
explorado no cinema, principalmente em filmes de ficção científica, onde se
inventa um som que não existe, como de uma arma laser ou um disco voador, por
exemplo.
Nos últimos anos, com a onipresença da tecnologia
digital na produção musical, o conceito de sound design se ampliou e entranhou-se
na música também. O uso de instrumentos eletrônicos nos anos 60 e 70 evoluiu
para a música contemporânea, permitindo utilizar todo e qualquer som, produzido
pelo mais diferente processo imaginável e amparado pela tecnologia digital.
Estes timbres são "desenhados" a partir de elementos diversos, como
sintetizadores ou sons orgânicos manipulados. Music Sound Design é o nome dado
a este trabalho de criar timbres e efeitos sonoros para utilização como
matéria-prima em uma composição musical.
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